Livro de Viagens - África - 5
Acordámos às quatro da manhã para o desjejum com um morcego, café e bolachas.
Marione não dormiu: um grilo do inferno toda a noite, uma mosca que morreu três vezes, hipopótamos, macacos, toda a África no quarto deles.
Nós não ouvimos nada.
Caleb, o nosso guia, com aquele sorriso malandro: “vamos tratar do grilo”. Imagino que lhe vá fazer uma proposta irrecusável - ao grilo.
Land Cruiser noite cerrada, solavancos e velocidade, não há estrada visível, cinco metros se tanto, muito bom. A meio mudámos para um camião, ainda noite, tudo muito escuro com rostos desconhecidos:
“Jalam!”
Aqui vamos, Júlio Verne, para a nossa primeira viagem de balão.
À frente do camião ainda noite, um chacal, uma manada de vacas Massai e uma zebra, todos rápidos a fugirem das luzes.
Chegámos antes do nascer do sol, ao longe os relâmpagos do fogo que enchia os balões ainda deitados de ar quente.
Na casa onde esperámos pelo balão vi homens velhos e brancos sentados em cadeirões, Livingstones e Quatermains, com mapas pendurados nas paredes atrás, preenchidos por terra plana e animais selvagens.
Antes de entrarmos na cesta do balão, Mariona foi atacada por uma manada de formigas que lhe trepou pelas pernas acima e a morderam. Muita gente a ajudar. Resolvida a situação, levantámos voo quase sem dar por isso. O nosso piloto era também catalão e gabarolas, como todos os pilotos devem ser. Como eu, certamente, se fosse piloto do que quer que fosse.
Elefantes chacais zebras gnus e raposas, ainda ao crepúsculo.
Depois um por do Sol ao contrário, com o laranja vivo do horizonte a competir com o fogo que nos mantinha no ar.
Início do dia em África.
Ao longe os outros balões e o sol por trás, um S. João pagão, africano.
Deslizávamos como se não houvesse ar, como se estivéssemos no vácuo, livres de peso, com a tranquilidade da savana a aguentar-nos no ar.
Por vezes o piloto baixava e quase tocávamos o solo, depois subíamos de novo e o sol seguia-nos.
Zebras impalas gazelas girafas poucos felinos poucos predadores a esta hora.
Aterrámos mais longe do que o previsto e saltámos para a savana. Vasculhei o terreno e ossos secos como pedaços de marfim. Alguém comeu, alguém morreu. Como nós em casa, sem termos de correr atrás. Um dos operadores trepou para o tejadilho do único Land Cruiser que nos encontrou - éramos 16. Os telemóveis sem rede, era necessário contacto visual.
Entretanto um búfalo decidiu investigar-nos. Foi a única vez que vi o nosso piloto nervoso, mas o búfalo continuou, procurava outra manada que não nós: portugueses, catalães, chineses, neo zelandeses e suíços? Já não me lembro ao certo. Manada desirmanada, uns a vigiar os outros e todos a vigiar o horizonte sem fim.
Sabíamos no nosso íntimo que a savana encarregar-se-ía de tudo e que tudo iria ficar bem.
Como ficou.