Livro de Viagens - África - 2
Depois do pequeno almoço tivemos o primeiro contacto com Nairobi. De carro, o céu cheio de chumbo e a terra cheia de lixo por todo o lado. Amontoa-se lixo, vende-se lixo, transporta-se lixo. Placas de zinco em vez de muros, quando há muros têm rolos de arame farpado por cima. Os muros querem dizer riqueza, suspeito que corrupção, roubo, extorsão. Os muros não são bom sinal numa cidade onde o povo vende o que pode, come o que pode e bebe o que pode e não deve. Nada de Ocidente aqui, ou sim, muito Ocidente, mas por trás dos muros ou dentro dos carros como nós e as ONG.
Os papéis da agência de viagens faziam referência à abolição do plástico pelo governo do Quénia, só pode ser uma piada. O plástico é a principal matéria-prima e matéria acabada de África. Há pouco vidro, algum papel e toneladas de plástico.
Vamos para o aeroporto Wilson para apanharmos a avioneta da companhia aérea Silverstone Air. Uma avioneta em África, com nuvens cinzentas, cúmulos-nimbos e vento. Aqui vamos nós.
Já no “aeroporto” conhecemos aqueles que vão ser os nossos companheiros de viagem: Mariona e Albert, casados de fresco, de Barcelona. Não de Espanha, da Catalunha.
Vou até à porta e olho para o pequeno avião. Não sinto medo, o que é estranho: tenho sempre medo de andar de avião. Olho para a bet e digo-lhe: “Sempre seria uma morte gloriosa: avião desaparecido em África! Muito melhor que a morte anónima num 747.” Limitou-se a abanar a cabeça.
Na avioneta, as instruções de voo do piloto foram para não gritar porque tinha medo de voar e podia assustar-se. Nada de hospedeiras (não cabiam), nada de apertar os cintos, máscaras de oxigénio ou mesmo saídas de emergência.
Ainda procurei sem sucesso algum pára-quedas pelos cantos do cockpit.
Em compensação podíamos usar os telemóveis sem restrições.
No meio das nuvens não se via nada, como quando nadámos com os tubarões em Noronha e estava mau tempo e não víamos um palmo à frente do nariz. Mas continuei a não sentir medo, nem quando o piloto largou os comandos para beber um sumo de laranja que pousou no tablier (será tablier nas avionetas?) e para comer bolachas.
Essas foram, aliás, as únicas preocupações do nosso piloto.
Apesar de tudo, conseguiu comer a tempo para nos fazer aterrar em segurança em pleno Masai Mara, o parque protegido, a savana, um paraíso animal.
Caleb o guia, fala muito bem castelhano, estudou desporto em Cuba, foi atleta antes de lhe crescer a barriga - como eu - é da tribo que deu os grandes corredores quenianos e é também treinador de novos atletas. Soubemos isto em poucos segundos, o que pode levantar dúvidas sobre a veracidade de tanta informação. Mas lá simpático é.
Como motorista temos um jovem Masai: o Magas.
De repente, quase sem termos tempo para respirar, estamos num Land Cruiser com dois companheiros catalães, dois guias de duas tribos distintas e animais livres e selvagens por todo o lado.
Tudo parece bem, tudo se encaixa, a tranquilidade é total.
É como quando no mar.