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A mostrar mensagens de maio, 2020

Poesia - António Musa - Livro dos Amores

Armadilha Mesmo consciente do perigo  não resisto à tentação  do teu corpo

Poesia - António Musa - Livro dos Amores

Eratóstenes Vi o fundo dos teus olhos e calculei o perímetro  da terra

Poesia - António Musa - Livro dos Amores

Racismo Até ver estamos sós num planeta com fogo dentro Somos matéria humana E que eu saiba  não há ninguém no centro 

Poesia - António Musa - Livro dos Amores

Feminino de árvore O coração ao ritmo da seiva e os teus segredos dentro 

Poesia - António Musa - Livro dos Amores

Enfrentar o mundo  Dar o peito às balas  e aos beijos

Poesia - António Musa - Livro dos Amores

De natura deorum Deus e penitente aos teus pés sempre 

Poesia - António Musa - Livro dos Amores

Catapulta  Há que saber a velocidade certa para voar libertar-se da terra insepultar-se

Poesia - António Musa - Livro dos Amores

Enigma  Descobri o segredo da poesia  Mas não o suficiente  para ser poeta

Poesia - António Musa - Livro dos Amores

Lavoisier Quando estamos juntos  nada se perde  tudo se transforma

Poesia - António Musa - Livro dos Amores

Fica só um bocadinho  À luz de um pequeno raio a tua pele  amanhece

Poesia - António Musa - Livro dos Amores

Leda e o Cisne             À Cláudia Lucas Chéu                            Como somos incompletos os corpos não chegam É necessário alguém  que nos termine

Poesia - António Musa - Livro dos Amores

Anatomia de Gray Quando dizem bonitos por fora e por dentro  Inclui-se o Wirsung, o pâncreas e o polígono de Willis?

Poesia - António Musa - Livro dos Amores

Cassiopeia Cinco estrelas e quatro olhos num terraço alentejano  Na Amazónia diz-se tamaquaré 

Poesia - António Musa - Livro dos Amores

Docta Ignorantia   As nossas mãos valem mais  que cem neurónios

Poesia - António Musa - Livro dos Amores

Como o Myke Tyson Sou um Van Gogh ao contrário Ou aquele que põe a dormir os tipos que te importunam Conquistei-te com ombros de pugilista De nada servem quando não estás

Livro de Viagens - África - 5

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Acordámos às quatro da manhã para o desjejum com um morcego, café e bolachas. Marione não dormiu: um grilo do inferno toda a noite, uma mosca que morreu três vezes, hipopótamos, macacos, toda a África no quarto deles.  Nós não ouvimos nada. Caleb, o nosso guia, com aquele sorriso malandro: “vamos tratar do grilo”. Imagino que lhe vá fazer uma proposta irrecusável - ao grilo. Land Cruiser noite cerrada, solavancos e velocidade, não há estrada visível, cinco metros se tanto, muito bom. A meio mudámos para um camião, ainda noite, tudo muito escuro com rostos desconhecidos: “Jalam!” Aqui vamos, Júlio Verne, para a nossa primeira viagem de balão.  À frente do camião ainda noite, um chacal, uma manada de vacas Massai e uma zebra, todos rápidos a fugirem das luzes. Chegámos antes do nascer do sol, ao longe os relâmpagos do fogo que enchia os balões ainda deitados de ar quente. Na casa onde esperámos pelo balão vi homens velhos e brancos sentados em cadeirões, Livin...

Poesia - António Musa - Livro dos Amores

Gioconda És o oposto da Mona Lisa: não há segredos  no teu sorriso

Poesia - António Musa - Livro dos Amores

Comentador político  Nessa matéria  não tenho opinião  só coração 

Livro de Viagens - África - 4

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O nosso primeiro acampamento fica nas margens do rio Tale. Todos os acampamentos em que ficámos foram premiados pelo respeito pela paisagem e pelo ambiente. A água quente é aquecida e temos de gritar quando precisamos para o banho na tenda. A electricidade é produzida por luz solar no próprio acampamento. Em nenhum há Wi-Fi ou hipótese de carregar dispositivos dentro da tenda. Enfim, férias a sério. Almoçámos de frente para o rio Tale cheio de hipopótamos. “Não é perigoso?” Perguntámos. “Akuna matata, só saem à noite para comer junto às tendas.” É suposto ficar descansado? Para sairmos da tenda à noite temos de abanar a luz da lanterna e assim chamar um guerreiro Massai que nos escoltará para onde formos. Fomos visitados por suricatas ao almoço (o Timon!). À tarde Safari. Esta palavra, conotada com caça, nada tem a ver com caça nem com animais. Trata-se da palavra suaíli usada para viagens, deambulações sem destino, estar um tempo lá por fora. Jantámos numa tenda estilo ...

Poesia - António Musa - Livro dos Amores

Topógrafo  Percorrer todos os acidentes do teu corpo Mapeá-lo como um cão de caça  Levar comigo os teus sabores E nos dedos  toda a pele palmilhada

Poesia - António Musa - Livro dos Amores

On The Origin of Species Eu sou a prova de que até os menos adaptados podem amar

Livro de Viagens - África - 3

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Bufalos antílopes javalis hienas chacais avestruzes gazelas impalas (uma delas com um só chifre à espera da morte) gnus gazelas de Thompson gazelas de Grant girafas babuínos pavões chitas zebras elefantes javalis hipopótamos crocodilos leopardos os leões a deixarem cair a cabeça de cansaço - todos livres.  Esta liberdade traz uma espécie de paz, não nos cansamos de os seguir. Correm e dormem, caçam e fogem, acasalam e são banidos, como nós mas com menos crueldade pensada. Vêem-se muitas crias que assegurarão o futuro desta savana se o homem não a destruir. Está tudo mais verde do que cor de leão. É o fim da estação das chuvas e a grande migração dirige-se para cá, para norte, vindos do Serengetti, atravessando o rio Mara infestado de hipopótamos e crocodilos. Ainda os cúmulos-nimbos com ameaça de chuva que melhora as fotos e piora as estradas fazendo deslizar o Land Cruiser. Vou de pé, olho as acácias, o meu foco numa espécie de sonho tão vivo que nem parece sonho, parece verd...

Poesia - António Musa - Livro dos Amores

Em caso de emergência  Manter a calma Os vizinhos detestam gritos de prazer madeira a estalar sonoras carícias 

Livro de Viagens - África - 2

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Depois do pequeno almoço tivemos o primeiro contacto com Nairobi. De carro, o céu cheio de chumbo e a terra cheia de lixo por todo o lado. Amontoa-se lixo, vende-se lixo, transporta-se lixo. Placas de zinco em vez de muros, quando há muros têm rolos de arame farpado por cima. Os muros querem dizer riqueza, suspeito que corrupção, roubo, extorsão. Os muros não são bom sinal numa cidade onde o povo vende o que pode, come o que pode e bebe o que pode e não deve. Nada de Ocidente aqui, ou sim, muito Ocidente, mas por trás dos muros ou dentro dos carros como nós e as ONG. Os papéis da agência de viagens faziam referência à abolição do plástico pelo governo do Quénia, só pode ser uma piada. O plástico é a principal matéria-prima e matéria acabada de África. Há pouco vidro, algum papel e toneladas de plástico. Vamos para o aeroporto Wilson para apanharmos a avioneta da companhia aérea Silverstone Air. Uma avioneta em África, com nuvens cinzentas, cúmulos-nimbos e vento. Aqui vamos nós. ...

Poesia - António Musa - Livro dos Amores

Quarta lei da termodinâmica  Não existe Mas vamos inventá-la

Poesia - António Musa - Livro dos Amores

Terceira lei da termodinâmica  É só saber que o amor e todas as coisas cessam perto do zero absoluto  Como se não estivéssemos  sempre a arder

Livro de Viagens - África - 1

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Apanhamos em Paris o voo para Nairobi. A Bet sempre a dormir, eu a ler a viagem vertical do Gonçalo, ao mesmo tempo que leio outra travessia de África, mas no sentido contrário: do Cairo à Cidade do Cabo do Theroux. Será que se vão encontrar a meio? Dois grandes viajantes estes. Fizeram a travessia de África sem voar. Só por terra e água, muitas vezes em condições sub-humanas, outras com o risco da própria vida. Quanto a nós, viajamos num Boeing 787-8 da Kenya Airways, o avião chama-se The Pride of Africa. Aterrámos tarde e fomos directos para o hotel. Tudo escuro lá fora, quase sem luz eléctrica, hoje não vemos mais nada. Grande espalhafato de segurança na entrada do hotel, mais para sossegar turistas e com eficácia duvidosa. Pousei o telemóvel e apitei no detector de metais. O segurança pediu para esvaziar os bolsos. Tinha duas canetas e pousei-as. Não resisti: “The pen is mightier than the sword.”  Disse.  Contrariamente à minha expectativa, o segurança deu uma ga...

Poesia - António Musa - Livro dos Amores

Segunda lei da termodinâmica  Quando entras na cama  com os pés gelados tendemos naturalmente  a um estado de entropia máxima 

Poesia - António Musa - Livro dos Prazeres

Primeira lei da termodinâmica                      Ao Pedro Rodrigues A tristeza partilhada  não é já bem tristeza mas o início de um sorriso quase um calor

Poesia - António Musa - Livro dos Prazeres

Depois da prova de vinhos  Taninos suaves Corpo pouco encorpado aveludado elegante  Aroma de frutos silvestres alperce Final longo e persistente  mas nem sempre 

Poesia - António Musa - Livro dos Prazeres

Prescrição para o teu utilizador A toma prolongada pode dar sintomas de dependência  Guardar fora da vista  Não conservar acima dos 37 graus ou mais

Poesia - António Musa - Livro dos Amores

O que é o coração? Sem Poesia  uma máquina de engolir sangue Com Poesia um órgão de cristal

Poesia - António Musa - Livro dos Amores

Antologia de poetas inexistentes Eu inspirado por ti Tu sem teres culpa

Poesia - António Musa - Livro dos Amores

A divina proporção  As pétalas das rosas a concha dos moluscos  os braços da via láctea  as tuas mãos 

Diário de um recolhimento 39

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03/05/2020 Domingo, dia da mãe. Hoje deixo aqui um texto que escrevi das minhas memórias antigas, quando percorria a cidade de Espinho pela mão da minha mãe. Mas antes, recupero a radicalidade: já sei que é difícil entender-me, já sei que não encaixo em nenhuma ideologia totalitarista. Por isso, muitos não entendem como posso ser bom se não acredito no inferno, ou como posso ser bom se não acredito em Marx. Pois nem deus nem o diabo nem os gurus. Retiro de todos o que me faz sentir bem no dia seguinte, o que não me dá peso na consciência, o que acho que não envergonharia os meus mortos, os que aqui dentro estão. Aos meus filhos um testamento de amor pelo belo e de respeito pelo próximo, não amor pelo outro, pois isso é impossível. Amor pelos que nos querem amor, mas nunca olho por olho - aí nada de Bíblia- e respeito pelas opiniões alheias. A não ser que essas opiniões não honrem a dignidade de cada um, a liberdade de cada um. A minha ideologia é perigosa, vai contra os que se j...