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A mostrar mensagens de abril, 2020

Diário de um recolhimento 36

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30/04/2020 A propósito das histórias ou notícias falsas. É curioso como não podemos confiar em nada do que lemos e ouvimos e até o que vemos nas redes sociais ou nos meios de comunicação hoje em dia. É caso para dizer “Tanta tecnologia para nada”. Sabe-se de muitas mortes que não foram bem mortes, principalmente de celebridades: é difícil alguém anunciar a nossa morte, a morte de um anónimo não é anunciável. Foi por isso que o Mark Twain, antes das redes sociais, e a propósito de uma notícia sobre o seu falecimento, disse: “A notícia da minha morte é manifestamente exagerada.” Mas há histórias em que queremos acreditar, mesmo que sejam um embuste e não confirmem a verdade mas andem lá perto ou sejam aquilo que gostaríamos que fossem. Basta ver no que se baseiam as grandes - e já agora as pequenas - religiões. Esta que ouvi pode ou não ser verdadeira. Se for melhor, se não for devia ter sido e serve de inspiração. Em Itália, na Lombardia, um padre de uma pequena localidade foi in...

Poesia - António Musa - Livro dos Amores

Um conselho da DGS                     Abril de 2020 Não saias, meu amor Por favor  fica em casa

Poesia - António Musa - Livro dos Amores

Nós na cama O tigre e a presa trocando assiduamente  de lugar Por vezes dois tigres Nunca duas presas

Diário de um recolhimento 35

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29/04/2020 Saí de casa de manhã, chovia pouco e passaram por mim mãe e filha abrigadas num guarda-chuva a rirem de alguma piada íntima e por momentos esqueci-me disto tudo, por breves momentos nada tinha acontecido e a vida não estava ameaçada por doenças novas, só por doenças antigas, estáveis e conhecidas. Na rádio acabava de tocar Johnny Griffin o “pequeno gigante” e podia jurar que nada tinha acontecido, que ninguém tinha morrido ou ficado com os pulmões secos, por um momento, só por um momento. O noticiário veio a seguir e estragou tudo: o vírus já matou mais nos EU do que a guerra do Vietnam. Mas a guerra é opção humana, o vírus não. A guerra é a abjecção total, o ser humano no seu pior, a insanidade levada ao limite do impossível. Será necessária em casos extremos? Não digo que não, mas muitas vezes a fronteira entre o bem e o mal é ténue. Os soldados russos e americanos que chegaram a Berlim também cometeram atrocidades, e quem mais sofre são sempre os mesmos: os indefes...

Poesia - António Musa - Livro dos Amores

Eureka Nós na banheira  e a água pelo chão

Diário de um recolhimento 34

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28/04/2020 O problema de sermos românticos é a quantidade de desilusão que estamos dispostos a tolerar. Isto na remota hipótese de nos considerarmos românticos. Hoje em dia o romantismo caiu em desuso por uma miriade (não gosto da palavra miriade) de situações que têm que ver com o desenvolvimento(?) dos padrões sociais. Senão vejamos (outra expressão cretina esta), o objectivo domina o mundo, o subjectivo é encarado como um desvio da razão. O não querer tudo a qualquer custo é visto como uma atitude bizarra.  A poesia está para a actualidade como a cocaína ou a heroína, qualquer dia o tabaco: tem de ser transaccionada com cautela e em locais próprios. Se nos apanham com um verso na mão estamos quilhados (outra bela palavra), com a desvantagem de não dar lucro nenhum. Quando digo nenhum é zero mesmo. Eu bem sei que as pessoas que têm ideais muito vincados podem ser verdadeiramente perigosas - Estaline, Hitler -, mas outras há - Gandhi, Luther King -, que sendo perigosas, o s...

Diário de um recolhimento 33

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27/04/2020 Não sei se vou conseguir manter este diário. Acho que não. O meu trabalho está aos poucos a voltar à normalidade. É natural, as doenças não param apesar do vírus. Por um lado fico triste, por outro contente. Normalidade é uma palavra muito estranha à vontade de criar, é o contrário da palavra arte. Para conseguir-mos regressar à normalidade temos de abandonar o mundo dos sonhos e da fantasia, temos de voltar a ser normativos e consequentes. A arte será uma inconsequência? Não, não é. Mas o mundo é uma inconsequência e não tolera o que considera não produtivo. Os poemas fabricam magia e esta não fabrica sapatos. Ontem regressámos ao Rosa Mota. Fomos informados que todos os testes eram positivos. Neste caso positivo é negativo, é sinal de que o vírus, como uma lapa, ou um chato de primeira que não se cala quando queremos silêncio, ou aquele que não nos larga para podermos falar com a miúda certa, não se foi embora, não descolou, não pegou nas suas coisinhas absurdas e d...

Poesia - António Musa - Livro dos Amores

Sentes? Os olhos são mais olhos São tão olhos  Como dedos

Poesia - António Musa - Livro dos Amores

Dance me to end of love Sopro ou corda? Nada  que se compare a um violino em chamas

Diário de um recolhimento 32

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26/04/2020 Hoje de manhã a casa ainda mais vazia, sem os meninos, sem ti. Foste trabalhar e eu aqui fiquei, entregue aos livros e à música. Não me posso queixar, mas quero-me queixar. Sinto falta de ti do outro lado da mesa, sempre a trabalhar. Dos gritos do Afonso com os amigos online, da Rita a tomar conta de todos nós, da Inês a experimentar vestidos e do Miguel a correr descalço como o Huckleberry Finn. Não me posso queixar porque tenho tudo, mas quero queixar-me porque ainda não consigo explicar o voo dos pássaros, a sentida voz do vento. A Fiama conseguiu explicar o voo dos pássaros. Vou procurá-la... Aqui está: “A própria fala cria/o objecto e separa-o/do silêncio.” Por isso às vezes leio alto. Não me chega a leitura em silêncio, preciso do som para que os objectos, as pessoas, as aventuras e o amor surjam diante de mim. Como estou só, posso fazê-lo sem que me olhem como se fosse louco. Mas loucos somos. Existem parâmetros que compartimentam a loucura, mas estão todos mal...

Poesia - António Musa - Livro dos Amores

Teoria do caos A curva do teu pescoço pode fazer despistar um carro agudizar uma febre suspender algures um furacão

Diário de um recolhimento 31

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25/04/2020 Dia da Liberdade. Quanto a mim, a única forma de pensar neste dia é mesmo assim: Dia da Liberdade. Não o considero apenas um dia político como muitos dos políticos. Para mim, acima de tudo, é o dia em que celebramos a liberdade de expressão, o podermos criticar, o respeito por quem tem opiniões contrárias às nossas - o que nem sempre acontece nas redes sociais em que a boa educação é muitas vezes esquecida. Ter liberdade não é ser mal criado, não é expressar ódio, racismo ou xenofobia. Ter liberdade é ter maior responsabilidade e respeitar o outro.  Existe uma tendência para os de direita não usarem o cravo porque está conotado ao comunismo, os do centro dividem-se e olham com condescendência para quem, pensam eles, não cresceu e não percebe os valores das finanças e da economia, os da esquerda tradicional comemoram porque tiveram um grande papel na clandestinidade, os comunistas comemoram pelo seu combate ao regime fascista, mas fazem-no com o amargo de boca de n...

Diário de um recolhimento 30

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24/04/2020 Hoje é um dia especial, eu e a Bet rumamos ao Pavilhão Rosa Mota para ajudarmos no que pudermos no Hospital de Campanha do Porto. Vai ser um diário diferente para um dia diferente. É um sítio especial para mim, o Palácio de Cristal. Aqui brinquei com os meus filhos, passeei com a minha mulher, corri, andei de bicicleta, joguei pelo F. C. Porto e pela selecção nacional, assisti a concertos (James, todos os da Queima das Fitas, o recente do Rui Veloso), aqui tive as melhores “Queimas” de sempre, aqui a Feira do Livro e alguns amanheceres gloriosos - por vezes dolorosos - com o rio Douro ao fundo. Como toda a gente é voluntária, podemos esquecer aquele ambiente de tensão, por vezes hostil, vivido nos hospitais. Somos recebidos com sorrisos, simpatia e muito profissionalismo. A Bet vai comandar a equipa, eu faço o que puder. Do centro de comando, no alto do pavilhão, vemos lá em baixo os favos cheios de luz com camas dentro. Parece um labirinto de hamsters ou um Pac-Man g...

Poesia - António Musa - Livro dos Amores

Teoria da relatividade No espaço do teu corpo a luz é invariante

Diário de um recolhimento 29

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23/04/2020 De manhã fui operar vestido de escafandro lunar, ou marinho que não seria pior, ao menos tem vida. Ao almoço assisti à aula de Física e Química da Rita na RTP Memória, o que foi muito interessante para relembrar conhecimentos que aqui estão dentro mas enterrados em toneladas de outras memórias, de outros pensamentos, em gavetas que não são abertas há muitos anos, cheias de pó, cotão e ferrugem. Descobri que o meu ponto de ebulição é menor do que o da prata ou do ouro, quase igual ao da água, mas ainda mais baixo, principalmente agora. Mas do sólido ao vapor é sublimação - que palavra bonita. Do hospital a casa são dez minutos, nem isso, de carro. Ouço na Smooth FM o “Jazz Fora de Horas” com o Gonçalo Câmara que apresenta uma actuação de um dos maiores baixistas (não de jogo baixo, entenda-se) de sempre: Jaco Pastorius. Com uma história de vida fulgurante e morte estúpida - não as são todas? Não! Há vários tipos de morte e nem todas recomendáveis - aos 35 anos. Deixou ...

Poesia - António Musa - Livro dos Amores

Som Para a sua produção  é necessária a vibração de um corpo No nosso caso dois

Poesia - António Musa - Livro dos Amores

Adão Do fruto que me deste Nem caroço Nem semente

Diário de um recolhimento 28

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22/04/2020 Hoje a trabalhar, o que pode afastar a poesia, ainda mais a inspiração, mas há que dar a volta ao texto, que é como quem diz ao bilhar grande ou uma volta sem volta, como os que vão comprar cigarros. Então começo ao contrário, escolho os livros primeiro e depois arranjo forma de os encaixar. Não de os encaixotar, o que também há-de estar para breve. Vejo ali, na estante de baixo, “O Século de Sartre” do grande Bernard-Henry Lévy. Ter um hífen no nome é meio caminho andado, mas ainda falta outro tanto, e eu gosto muito do David que não depende do hífen. A citação de Topfer “aquele que não é célebre aos vinte e oito anos deve renunciar à glória para sempre”. E a glória para quê? A celebridade para quê? Ah! Efémera vaidade, não vêm daí os diários? E continua Sartre “a verdade é que levamos muito tempo para nos tornarmos jovens.” Já o fui e para lá caminho. Pode não parecer, momentos de desânimo e incerteza, nada vale a pena, raios partam tudo isto! Mas logo a seguir um s...

Poesia - António Musa - Livro dos Amores

Edredão Recuperei as tuas asas e usei-as Estou nas nuvens

Diário de um recolhimento 27

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21/04/2020 O Agostinho enviou-me uma gravação dele de um poema de quando eu escrevia poemas e me esquecia de cortar nos adjectivos. Respondi: “melhor dito que escrito.” Mas há um verso que quer ser verdade e por vezes o é: “Todos os mitos nasceram da ignorância.” Mas nem sempre, meu caro (quando começamos a falar de nós para nós e, pior ainda, a escrevê-lo, podemos esperar pelos antipsicóticos), os mitos podem nascer do amor, da coragem, de um feito notável, de uma traição. Os mitos são histórias que evoluem, narrativas vivas e muitas vezes orais. Nós não transmitimos apenas vírus, transmitimos também mitos. Hoje, quando acordei, uma associação de ideias trouxe-me de volta o meu avô Jerónimo. O José Gomes, que costuma responder a estes desabafos diários e ao qual agradeço, deixou uma mensagem no Instagram com referência ao seu avô materno (como o meu), e ao alho que as máscaras permitem agora comer. Dizia o avô do José, infelizmente sem resultados práticos, que o alho aumenta ...

Diário de um recolhimento 26

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20/04/2020 De manhã começa a telescola e as vídeo-aulas. Os miúdos pela casa, uns num lado, outros noutro, computadores, televisões, modems, professores que não atinam, alunos que demoram, enfim, o normal quando tudo é novo. Preocupa-me o que os professores podem fazer quando os alunos se portam mal. Já agora como portar mal em aulas online? Enviar um vírus? Um emoji? E como mandar bilhetinhos às miúdas giras da turma, como chatear o colega da frente? Como é que o professor atira o apagador à cabeça dos espertinhos? Vai haver cyber-bullying e net-kissing. A primeira morte por coronavirus terá sido há 100 dias - para quem acreditar - em Portugal temos 735 mortes no total. Se olharmos para trás temos a Peste Negra, transmitida por pulgas de ratos que matou 50 milhões no século XIV. A varíola com 300 milhões de mortos, atingiu Ramsés II, a tuberculose com mil milhões, o tifo com 3 milhões, o sarampo com 6 milhões por ano até à vacina, a malária e o seu mosquito que mata 3 milhões p...

Poesia - António Musa - Livro dos Amores

Matinal Usei as tuas asas para o edredão  e acordei com os pés gelados